Hoje, em nosso programa de rádio, tratamos da importância do xadrez nas escolas.
Para escrever um pouco sobre esse assunto tão bacana, começo citando Melão Júnior (1998) que se refere ao xadrez de forma ampla e poética:
” O xadrez não passa de um punhado de tocos de pau, dispostos sobre uma tábua quadriculada, situada entre duas criaturas incompreensivelmente absortas, que, dominadas por uma espécie de autismo, desperdiçam inutilmente seu tempo, olhando para este brinquedo sem graça, enquanto o mundo ao seu redor pode desmoronar sem que se apercebam disso. Esta é a interpretação do homem vulgar, insensível e apático; incapaz de enxergar as essências, homem que se conforma com uma visão superficial das coisas e se deixa seduzir pelas aparências de outras atividades menos belas e eloqüentes. Para o homem mediano, o xadrez é um mero acessório, útil tão somente porque contribui para desenvolver diferentes faculdades mentais, melhorando o desempenho escolar nas crianças, intensificando a acuidade mental nos adultos e preservando por mais tempo a agilidade mental nos idosos. Porém, para o homem espirituoso, criativo e empreendedor, o xadrez é uma das mais ricas fontes de prazer, um meio no qual se encontram elementos para representar as mais admiráveis concepções artísticas, um campo pelo qual a imaginação pode voar livremente, produzindo, com encantadora beleza, idéias deliciosamente sutis e originais. O xadrez é uma das raras e preciosas atividades em que o homem pode explorar ao fundo suas emoções, atingindo estados de prazer tão sublimes, tão ternos, tão intensos, que só podem ser igualados pelas sensações proporcionadas pelo amor e pela música”.
Mas, se pensarmos em definir xadrez (tarefa tão complexa) podemos utilizar o famoso poeta romancista e cientista alemão Goethe (1786) que faz a seguinte afirmação: ”O xadrez é a ginástica da inteligência”.
O SURGIMENTO DO XADREZ
A origem do xadrez é meio controvertida. Estudiosos dizem que o jogo teria nascido na China, outros negam a informação. A disseminação pelo mundo deu-se por meio da cultura árabe e a influência política e geográfica do islamismo do século VII em diante. Foi introduzido na Europa por volta do século IX, através do comércio entre Europa e as regiões dominadas pelos árabes, e pelos contatos entre os povos à época das cruzadas.
No Brasil, o xadrez chegou por meio da colonização portuguesa, mas sem nenhuma expressão digna de registro ou menção. Somente quando D. Pedro II se torna um aficionado e um disciplinado jogador é que o xadrez começa a passos lentos a se popularizar.
OS POTENCIAIS QUE OS JOGADORES DE XADREZ DESENVOLVEM
Disciplina, concentração, melhora na auto-estima e socialização. Esses são alguns dos potenciais que os jogadores de xadrez desenvolvem.
O jogo possui características importantes, nas quais podem se desenvolver habilidades em diversos níveis. No raciocínio lógico, por exemplo, propõe ao aluno inúmeros exercícios na busca de combinações em prol dos melhores lances, tendo à frente variadas possibilidades em sua trajetória de assimilação.
Haja vista ser o primeiro contato com o jogo, o ensino amplia-se para diversas áreas do conhecimento, abrindo um leque de atividades a serem exploradas na construção desta prática, desde leituras, cálculos, análise de jogos, simbolismos, pinturas, montagens, recortes, colagens e modelagens.
Na parte motora, utilizar o próprio corpo como peça de Xadrez, visualizar seus ataques e defesas, orientar-se. Noutras palavras, estar literalmente dentro do jogo.
Nesta possibilidade de aprendizagem lúdica ampliam-se conhecimentos e se adquire a linguagem do jogo, estimulando a autoestima, a competição saudável e o trabalho em equipe
O XADREZ E AS DISCIPLINAS
A abrangência do xadrez é muito grande e ele pode ser utilizado nas aulas de qualquer disciplina.
História e Geografia – Podem ser enriquecidas pelo próprio fato de a origem do xadrez ser misteriosa, contando com diversas lendas e várias versões: “jogo do elefante” (siang k’i) na China no século 2 d.C. ou “jogo dos quatro membros” (chaturanga, em sânscrito) na Índia no século 6 d.C. Viajando por regiões como Pérsia e Arábia, o xadrez foi recebendo importantes contribuições desses povos antes de chegar à Europa por volta do século 10. Hoje, ele está presente nos cinco continentes.
Artes e trabalhos manuais – Os campos do conhecimento relacionados às Artes têm infindáveis relações com o xadrez. Além da confecção dos materiais enxadrísticos pelos próprios alunos, muitos livros, revistas, jornais, sites, CD-ROM e vídeos poderão ser utilizados pelo(a) professor(a) para ilustrar suas aulas, relacionando-as com balé, desenho, escultura, filatelia, publicidade e até arquitetura. Outra atividade possível é a criação e a apresentação de peças teatrais.
Ciências – O tabuleiro é um pequeno laboratório envolvendo observação, análise, hipótese e prova. Quanto à Física no Ensino Médio, uma aplicação, entre outras, será a construção, pelos alunos, de relógios de xadrez a partir de conhecimentos básicos sobre circuitos.
Matemática – No que concerne à Matemática, o xadrez é um dispositivo eficaz para a aprendizagem da aritmética (noções de troca, valor comparado das peças, controle de casas, enquanto exemplos de operações numéricas elementares…), da álgebra (cálculo do índice de desempenho dos jogadores, que é assimilável a um sistema de equações com “n” incógnitas…) e da geometria (o movimento das peças é uma introdução às noções de verticalidade, de horizontalidade, a representação do tabuleiro é estabelecida como um sistema cartesiano…).
Informática – O xadrez é um excelente meio para apresentar a informática aos alunos: gestão de torneios, navegação na internet, rating dos enxadristas, torneio com computadores, entre outros.
Língua Portuguesa e línguas estrangeiras – Partidas entre escolas, por correspondência, por fax, pela internet, e por telefone são pretextos para um salutar intercâmbio com pessoas de diferentes culturas e até línguas.
No que se refere à Literatura, existem mil anos de rimas, versos, emoções, desencantos e encantos com a temática do xadrez: conto (Edgar Poe); crônica (Fernando Arrabal); ficção científica (John Brunner); história em quadrinhos (Walt Disney); memórias (Garry Kasparov); novela (Stefan Zweig); poesia (Fernando Pessoa); policial (Arturo Péres-Reverte) e romance (Vladimir Nabokov). Também deixaram muitas citações sobre o esporte-arte-ciência em suas monumentais obras: Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Monteiro Lobato.
Educação Física – Dependendo do objetivo do(a) professor(a) de Educação Física, o enxadrismo poderá ser utilizado enquanto atividade lúdica, esporte, ferramenta pedagógica ou lazer. Também é uma ótima alternativa para dias chuvosos.
O XADREZ COMO MATÉRIA OBRIGATÓRIA
As aulas devem ser ministradas de uma forma a não parecer disciplina obrigatória; o intuito é desenvolver a auto-estima, a ética e a lógica matemática. A partir daí, os alunos têm um desenvolvimento considerável nas outras disciplinas.
A MELHOR IDADE PARA INICIAR NO JOGO DO XADREZ
Aos 5 anos com dedicação total do educador. certa vez escutei de um mestre que até os 12 anos a criança brinca, após esta idade, aí sim devemos treiná-lo. Nesse brincar, a criança toma gosto e não para mais.
O XADREZ AUXILIA NA ÉTICA DOS JOGADORES
O xadrez pode promover a conduta ética através da experiência do ganhar e do perder, que pode ser aproveitada pelo professor através da análise de partidas comentando erros e acertos.
NUNO COBRA
Segundo Nuno Cobra, excelente preparador (inclusive de Ayrton Senna) o xadrez é um esporte muito amplo, pois o cérebro ‘maquina’ o tempo todo e assim abre outras áreas de programação mental de raciocínio, ampliando as conexões inter-neurais.
O que pouca gente sabe, é a relação entre o grau de desempenho cardiovascular e a performance competitiva neste esporte, porque todos imaginam que ele exige apenas do cérebro.
É justamente por exigir tanto da mente, das emoções e dos sentidos é que se torna necessária uma grande eficiência cardiovascular para se ter uma boa performance.
Quanto mais alto o nível da competição, mais clara se torna essa relação. Uma bomba ejetora mais plena (o coração) colocará nas células do cérebro uma quantidade maior de oxigênio. Esse cérebro mais oxigenado possibilitará maior eficiência, maior lucidez e, principalmente, maior velocidade do pensamento, de interpretação e reação aos movimentos complexos presentes no xadrez.
Assim quem está pensando em melhorar sua performance neste magnífico esporte, busque de maneira sistemática realizar atividades cardiovasculares (caminhar, correr…) que possam ampliar as possibilidades de oxigenação cerebral.
Na minha juventude eu era bastante apaixonado por esse esporte. Pude assistir embates históricos, principalmente durante a guerra fria onde politicamente o Leste e o Oeste se debatiam pela supremacia intelectual. Na época, ficou muito claro e dito pelos próprios campeões o quanto a sua forma física implicava diretamente na sua performance. Em alguns combates históricos esses campeões declararam enfaticamente a dificuldade que eles encontravam de resistir, dia após dia, ao violento embate e, ao final, acabava superando o adversário aquele com maior capacidade e resistência cardiovascular, que fornecia ao atleta um desempenho na última disputa, parecido com o da primeira. Além do lastro de oxigênio fundamental ao pensamento e aos hormônios estimulantes, havia uma atitude mental positiva que nesse altíssimo nível fazia a diferença.
Hoje um dos maiores campeões de xadrez russo Kasparov tem que se envolver num expressivo treinamento cardiovascular e muscular localizado para manter a sua forma e continuar tornando-se altamente competitivo.
Em demonstrações com enxadristas brasileiros Kasparov conseguiu performance assustadora, mas sabe que terá poucos anos pela frente, uma vez que o trabalho físico é cada vez mais exigente para manter o nível de competição.
Esta é uma demonstração concreta de quanto o desempenho do corpo físico favorece essa concentração máxima, de não cometer nenhum erro, e o quanto o corpo é dilacerado e agredido nesse nível de competição.